segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Um olhar sobre as midias...será que são educativas....


As mídias na educação

José ManuelMoran
Especialista emprojetos inovadores na educação presencial e a distância
jmmoran@usp.br
Texto do meu livro Desafios na Comunicação
Pessoal. 3ª Ed. São Paulo: Paulinas, 2007, p. 162-166.
“A ...simples introdução dos meios e das tecnologias na escola pode ser a forma mais
enganosa de ocultar seus problemas de fundo sob a égide da modernização
tecnológica. O desafio é como inserir na escola um ecossistema comunicativo que
contemple ao mesmo tempo: experiências culturais heterogêneas, o entorno das
novas tecnologias da informação e da comunicação, além de configurar o espaço
educacional como um lugar onde o processo de aprendizagem conserve seu
encanto”.
Jesús
Martín Barbero
[1]

As mídias
educam
Estamos deslumbrados
com o computador e a Internet na escola e vamos deixando de lado a televisão e o
vídeo, como se já estivessem ultrapassados, não fossem mais tão importantes ou
como se já dominássemos suas linguagens e sua utilização na
educação.
A televisão, o cinema
e o vídeo, CD ou DVD - os meios de comunicação audiovisuais - desempenham,
indiretamente, um papel educacional relevante. Passam-nos continuamente
informações, interpretadas; mostram-nos modelos de comportamento, ensinam-nos
linguagens coloquiais e multimídia e privilegiam alguns valores em detrimento de
outros.
A informação e a forma de ver o mundo
predominantes no Brasil provêm fundamentalmente da televisão. Ela alimenta e
atualiza o universo sensorial, afetivo e ético que crianças e jovens – e grande
parte dos adultos - levam a para sala de aula. Como a TV o faz de forma mais
despretensiosa e sedutora, é muito mais difícil para o educador contrapor uma
visão mais crítica, um universo mais mais abstrato, complexo e na contra-mão da
maioria como a escola se propõe a fazer.
A TV fala da vida, do
presente, dos problemas afetivos - a fala da escola é muito distante e
intelectualizada - e fala de forma impactante e sedutora - a escola, em geral, é
mais cansativa, concorda?. O que tentamos contrapor na sala de aula, de forma
desorganizada e monótona, aos modelos consumistas vigentes, a televisão, o
cinema, as revistas de variedades e muitas páginas da Internet o desfazem nas
horas seguintes. Nós mesmos como educadores e telespectadores sentimos na pele a
esquizofrenia das visões contraditórias de mundo e das narrativas (formas de
contar) tão diferentes dos meios de comunicação e da
escola.
Percebeu que na
procura desesperada pela audiência imediata e fiel, os meios de comunicação
desenvolvem estratégias e fórmulas de sedução mais e mais aperfeiçoadas: o ritmo
alucinante das transmissões ao vivo, a linguagem concreta, plástica, visível?.
Mexem com o emocional, com as nossas fantasias, desejos, instintos. Passam com
incrível facilidade do real para o imaginário, aproximando-os em fórmulas
integradoras, como nas telenovelas.
Em síntese, os Meios
são interlocutores constantes e reconhecidos, porque competentes, da maioria da
população, especialmente da infantil. Esse reconhecimento significa que os
processos educacionais convencionais e formais como a escola não podem voltar as
costas para os meios, para esta iconosfera tão
atraente e, em conseqüência, tão eficiente. A maior parte do referencial do
mundo de crianças e jovens provém da televisão. Ela fala da vida, do presente,
dos problemas afetivos - a escola é muito distante e abstrata - e fala de forma
viva e sedutora - a escola, em geral, é mais cansativa.
As crianças e jovens
se acostumaram a se expressar de forma polivalente, utilizando a dramatização, o
jogo, a paráfrase, o concreto, a imagem em movimento. A imagem mexe com o
imediato, com o palpável. A escola desvaloriza a imagem e essas linguagens como
negativas para o conhecimento. Ignora a televisão, o vídeo; exige somente o
desenvolvimento da escrita e do raciocínio lógico. É fundamental que a criança
aprenda a equilibrar o concreto e o abstrato, a passar da espacialidade e
contigüidade visual para o raciocínio seqüencial da lógica falada e escrita. Não
se trata de opor os meios de comunicação às técnicas convencionais de educação,
mas de integrá-los, de aproximá-los para que a educação seja um processo
completo, rico, estimulante. A escola precisa observar o que está acontecendo
nos meios de comunicação e mostrá-lo na sala de aula, discutindo-o com os
alunos, ajudando-os a que percebam os aspectos positivos e negativos das
abordagens sobre cada assunto.
Precisamos, em
conseqüência, estabelecer pontes
efetivas entre educadores e meios de comunicação. Educar os
educadores para que, junto com os seus alunos, compreendam melhor o fascinante
processo de troca, de informação-ocultamento-sedução, os códigos polivalentes e
suas mensagens. Educar para compreender melhor seu significado dentro da nossa
sociedade, para ajudar na sua democratização, onde cada pessoa possa exercer
integralmente a sua cidadania.
Em que níveis pode ser
pensada a relação Comunicação, Meios de Comunicação e Escola? Entendemos que
esta pode ser pensada em três níveis:
1. organizacional
2. de conteúdo
3. comunicacional
- no nível organizacional: uma
escola mais participativa, menos centralizadora, menos autoritária, mais
adaptada a cada indivíduo. Para isso, é importante comparar o nível do discurso
- do que se diz ou se escreve - com a práxis - com as efetivas expressões de
participação.
- no nível de conteúdo: uma escola
que fale mais da vida, dos problemas que afligem os jovens. Tem que preparar
para o futuro, estando sintonizada com o presente. É importante buscar nos meios
de comunicação abordagens do quotidiano e incorporá-las criteriosamente nas
aulas.
- no nível comunicacional: conhecer
e incorporar todas as linguagens e técnicas utilizadas pelo homem contemporâneo.
Valorizar as linguagens audiovisuais, junto com as
convencionais.
Tem-se enfatizado a
questão do conhecimento como essencial para uma boa educação. É básico ajudar o
educando a desenvolver sua(s) inteligência(s), a conhecer melhor o mundo que o
rodeia. Por outro lado, fala-se da educação como desenvolvimento de habilidades: "Aprender a aprender", saber comparar,
sintetizar, descrever, se expressar.
Desenvolver a
inteligência, as habilidades e principalmente, as atitudes. Ajudar o educando a
adotar atitudes positivas, para si mesmo e para os outros. Aqui reside o ponto
crucial da educação: ajudar o educando a encontrar um eixo fundamental para a
sua vida, a partir do qual possa interpretar o mundo (fenômenos de
conhecimento), desenvolva habilidades específicas e tenha atitudes coerentes
para a sua realização pessoal e social. [[Ver o
capítulo A comunicação na educação do livro Mudanças na comunicação pessoal de
José Manuel Moran, São Paulo,
Paulinas, 2000, páginas, 155-166]].
A transmissão de
informação é a tarefa mais fácil e onde as tecnologias podem ajudar o professor
a facilitar o seu trabalho. Um simples CD-ROM contém toda a Enciclopédia
Britânica, que também pode ser acessada on line pela Internet. O aluno nem
precisa ir a escola para buscar as informações. Mas para interpretá-las,
relacioná-las, hierarquizá-las, contextualizá-las, só as tecnologias não serão
suficientes. O professor o ajudará a questionar, a procurar novos ângulos, a
relativizar dados, a tirar conclusões.
Que outras
contribuições as tecnologias podem dar ao professor? As tecnologias também
ajudam a desenvolver habilidades, espaço-temporais, sinestésicas, criadoras. Mas
o professor é fundamental para adequar cada habilidade a um determinado momento
histórico e a cada situação de aprendizagem.
As tecnologias são
pontes que abrem a sala de aula para o mundo, que representam, medeiam o nosso
conhecimento do mundo. São diferentes formas de representação da realidade, de
forma mais abstrata ou concreta, mais estática ou dinâmica, mais linear ou
paralela, mas todas elas, combinadas, integradas, possibilitam uma melhor
apreensão da realidade e o desenvolvimento de todas as potencialidades do
educando, dos diferentes tipos de inteligência, habilidades e
atitudes.
As tecnologias
permitem mostrar várias formas de captar e mostrar o mesmo objeto,
representando-o sob ângulos e meios diferentes: pelos movimentos, cenários,
sons, integrando o racional e o afetivo, o dedutivo e o indutivo, o espaço e o
tempo, o concreto e o abstrato.
A educação é um
processo de construção da consciência crítica. Como então se dá esse processo?
Essa construção começa com a problematização dos dados que nos chegam direta e
indiretamente - através dos meios, por exemplo - recontextualizando-os numa
perspectiva de conjunto, totalizante, coerente, um novo texto, uma nova síntese
criadora. Essa síntese integra os dados tanto conceituais quanto sensíveis,
tanto da realidade quanto da ficção, do presente e do passado, do político,
econômico e cultural. Falamos assim, de uma educação para a comunicação. Uma
educação que procura ajudar as pessoas individualmente e em grupo a realizar
sínteses mais englobantes e coerentes, tomando como partida as expressões de
troca que se dão na sociedade e na relação com cada pessoa; ajudar a entender
uma parte dessa totalidade a partir da comunicação enquanto organização de
trocas tanto ao nível interpessoal como coletivo.
A educação para a
comunicação precisa da articulação de vários espaços educativos, mais ou menos
formais: educação ao nível familiar, trabalhando a relação
pais-filhos-comunicação, seja de forma esporádica ou em momentos privilegiados,
em cursos específicos também. A relação comunicação-escola, uma relação difícil
e problemática, mas absolutamente necessária para o enriquecimento de ambas,
numa nova perspectiva pedagógica, mais rica e dinâmica. Comunicação na
comunidade, analisando os meios de comunicação a partir da situação de uma
determinada comunidade e interpretando concomitantemente os processos de
comunicação dentro da comunidade. Educação para a comunicação é a busca de novos
conteúdos, de novas relações, de novas formas de expressar esses conteúdos e
essas relações.
A escola precisa
exercitar as novas linguagens que sensibilizam e motivam os alunos, e também
combinar pesquisas escritas com trabalhos de dramatização, de entrevista
gravada, propondo formatos atuais como um programa de rádio uma reportagem para
um jornal, um vídeo, onde for possível. A motivação dos alunos aumenta
significativamente quando realizam pesquisas, onde se possam expressar em
formato e códigos mais próximos da sua sensibilidade. Mesmo uma pesquisa
escrita, se o aluno puder utilizar o computador, adquire uma nova dimensão e,
fundamentalmente, não muda a proposta inicial.

Integrar as mídias na
escola
Antes da criança chegar à
escola, já passou por processos de educação importantes: pelo familiar e pela
mídia eletrônica. No ambiente familiar, mais ou menos rico cultural e
emocionalmente, a criança vai desenvolvendo as suas conexões cerebrais, os seus
roteiros mentais, emocionais e suas linguagens. Os pais, principalmente a mãe,
facilitam ou complicam, com suas atitudes e formas de comunicação mais ou menos
maduras, o processo de aprender a aprender dos seus filhos.
A criança também é
educada pela mídia, principalmente pela televisão. Aprende a informar-se,
a conhecer - os outros, o mundo, a si mesmo - a sentir, a fantasiar, a relaxar,
vendo, ouvindo, "tocando" as pessoas na tela, que lhe mostram como viver, ser
feliz e infeliz, amar e odiar. A relação com a mídia eletrônica é prazerosa -
ninguém obriga - é feita através da sedução, da emoção, da exploração sensorial,
da narrativa - aprendemos vendo as estórias dos outros e as estórias que os
outros nos contam.
Mesmo durante o período
escolar a mídia mostra o mundo de outra forma - mais fácil, agradável, compacta
- sem precisar fazer esforço. Ela fala do cotidiano, dos sentimentos, das
novidades. A mídia continua educando como contraponto à educação convencional,
educa enquanto estamos entretidos.
A educação escolar precisa
compreender e incorporar mais as novas linguagens, desvendar os seus
códigos, dominar as possibilidades de expressão e as possíveis manipulações. É
importante educar para usos democráticos, mais progressistas e participativos
das tecnologias, que facilitem a evolução dos indivíduos. O poder público pode
propiciar o acesso de todos os alunos às tecnologias de comunicação como uma
forma paliativa, mas necessária de oferecer melhores oportunidades aos pobres, e
também para contrabalançar o poder dos grupos empresariais e neutralizar
tentativas ou projetos autoritários.
Se a educação fundamental é
feita pelos pais e pela mídia, urgem ações de apoio aos pais para que
incentivem a aprendizagem dos filhos desde o começo das vidas deles, através do
estímulo, das interações, do afeto. Quando a criança chega à escola, os
processos fundamentais de aprendizagem já estão desenvolvidos de forma
significativa. Urge também a educação para as mídias, para
compreendê-las, criticá-las e utilizá-las da forma mais abrangente possível.
A educação para os meios
começa com a sua incorporação na fase de alfabetização. Alfabetizar-se não
consiste só em conscientizar os códigos da língua falada e escrita, mas dos
códigos de todas as linguagens do homem atual e da sua interação. A criança, ao
chegar à escola, já sabe ler histórias complexas, como uma telenovela, com mais
de trinta personagens e cenários diferentes. Essas habilidades são praticamente
ignoradas pela escola, que, no máximo, utiliza a imagem e a música como suporte
para facilitar a compreensão da linguagem falada e escrita, mas não pelo seu
intrínseco valor. As crianças precisam desenvolver mais conscientemente o
conhecimento e prática da imagem fixa, em movimento, da imagem sonora ... e
fazer isso parte do aprendizado central e não marginal. Aprender a ver mais
abertamente, o que já estão acostumadas a ver, mas que não costumam perceber com
mais profundidade (como os programas de televisão).
Antes de pensar em produzir
programas específicos para as crianças, convém retomar, estabelecer pontos com
os produtos culturais que lhes são familiares. Fazer re-leituras dos programas
infantis, re-criação desses mesmos programas, elaboração de novos conteúdos a
partir dos produtos conhecidos. Partir do que o rádio, jornal, revistas e
televisão mostram para construir novos conhecimentos e desenvolver habilidades.
Não perder a dimensão lúdica da televisão, dos computadores. A escola parece um
desmancha-prazeres. Tudo o que as crianças adoram a escola detesta, questiona ou
modifica. Primeiro deve-se valorizar o que é valorizado pelas crianças, depois
procurar entendê-lo (os professores e os pais) do ponto de vista delas,
crianças, para só mais tarde, propor interações novas com os produtos
conhecidos. Depois podem-se exibir programas adaptados à sua sensibilidade e
idade, programas que sigam o mesmo ritmo da televisão, mas que introduzam alguns
conceitos específicos que, aos poucos, irão sendo incorporados.


[1] Jesús MARTÍN BARBERO. Heredando el Futuro.Pensar la Educación desde
la
Comunicación, in Nómadas, Boggotá, septiembre de 1996, n.
5, p. 10-22.

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